Para sua surpresa, eu sigo em frente
(POR RUTH MANUS - Estadão)
Mário Quintana escreveu “todos esses que estão aí, atravancando meu caminho eles passarão, eu passarinho”. Elton John cantou “I’m still standing, better than I ever did”. Jessie J perguntou “who’s laughing now?”. Chico Buarque completou “olhos nos olhos, quero ver o que você diz, quero ver como suporta me ver tão feliz”.
O fato é que ao longo do caminho são muitas as tentativas de nos fazer parar. De nos fazer deixar de acreditar e de não irmos adiante. Há, de fato, uma estranha espécie humana que associa as conquistas alheias aos seus próprios fracassos, ainda que não haja qualquer remota ligação entre as coisas.
Mas esse texto não é para falar sobre elas. É para falar sobre nós. Nós que aguentamos firme, que deixamos as coisas entrarem por um ouvido e saírem pelo outro, porque estávamos ocupados demais trabalhando e construindo a nossa estrada. Esse texto é nosso, não é deles.
Esse texto é apenas para celebrar a garra, a honestidade e a luta. E para dizer: I’M STILL STANDING. Sim, estamos de pé, em que pesem as pedradas e as puxadas de tapete. Mais especificamente: estamos de pé, o sol bate no nosso rosto, nossas músicas preferidas sempre tocam quando ligamos o rádio e dormimos noites incríveis com uma cabeça leve no travesseiro.
Disseram-nos, nos tempos de escola, que não éramos bonitos o bastante. Que não jogávamos bola bem o bastante. Disseram-nos que não entraríamos naquela faculdade, nem conquistaríamos aquela vaga de emprego. Que as nossas táticas não eram as melhores, que precisávamos ter mais malandragem, mais malícia. Nunca tivemos. E olha só onde viemos parar?
Muitos de nós foram sacaneados por acreditar. Tomaram um pé na bunda. Ou dois. Ou três. Outros foram traídos. Dividimos cama com outros casos. Mas sempre saímos pela porta da frente. Foi assim que fomos criados. Talvez nunca tenhamos sido os mais espertos, mas certamente sempre fomos os mais honestos. E, curiosamente, a vida tende a nos recompensar por isso.
Cochicharam enquanto passávamos pelo corredor. Disseram que nunca ocuparíamos aquele lugar. E no dia em que ocupamos, disseram que duraria pouco. E durou muito. Disseram que não merecíamos. Enquanto isso nós trabalhávamos, honrando cada segundo do que conquistamos.
Disseram que éramos bobos demais. Sorridentes demais. Pretos demais. Gordos demais. Mulheres demais. Lentos demais. Novos demais. Velhos demais. Sonhadores demais. Que nossos projetos eram otimistas demais. Disseram que tínhamos fé demais. Bom, devemos informar que luta e fé nunca existem em doses excessivas e nós somos resultado disso.
Os que não encontram nenhum sentido nesse texto curiosamente tendem a ser os que cochicham a nosso respeito nos corredores. Permitam-me um conselho: saiam dessa vida. Sejam maiores do que isso.
Porque, sabe? Nós abandonamos relacionamentos abusivos, nós largamos empregos infelizes, nós perdoamos, nós começamos tudo de novo, nós mudamos de carreira, nós acreditamos na vida e, acima de tudo, nós seguimos sendo estes ingênuos para os quais vocês tiveram que aprender a olhar com algum respeito. Tempo, tempo, tempo, tempo, és um senhor tão bonito.